terça-feira, 6 de novembro de 2012

Ser Discípulo: A Humildade


 Jesus, com seus discípulos havia ampliado sua missão aos territórios gentílicos vizinhos da Galiléia, tendo chegado bem ao norte, próximo a Cesareia de Filipe. A partir daí decide dirigir-se a Jerusalém, ao sul, para proclamar a sua Boa-Nova aos peregrinos que ali chegaram em vista de participar da festa judaica da Páscoa, que se aproximava. Com este propósito, Jesus e os discípulos atravessam novamente a Galileia.
Aqui as narrativas marcam o contraste entre a mentalidade dos discípulos e a novidade de Jesus. Os discípulos esperavam de Jesus ações de poder e glória terrena, o que chocava com a proposta do próprio Jesus de humildade e serviço, com a doação da própria vida.
Os discípulos estão fixados na ideologia do messias poderoso, um novo Davi que restaura o reino de Israel e, esperando de Jesus a ascensão ao poder, disputam qual seria então o maior, isto é, quem ocuparia os cargos mais importantes. São os anseios opostos à proposta de Jesus que provocam conflitos na comunidade e, de maneira mais ampla, no mundo, onde os ímpios ambiciosos da riqueza e do poder fazem a guerra e semeiam a morte, tornando-se loucos e frustrados.
Jesus chama os Doze e, invertendo os critérios de competição, reafirma a característica essencial do Reino: a humildade e o serviço como concretização do amor. É neste amor que está a realização e a grandeza de cada um.
Ao tomar uma criança e abraçá-la, com carinho, Jesus está se identificando com ela. A criança, do ponto de vista de uma sociedade de eficiência e produção, é considerada inútil e marginalizada. Jesus convida a todos a se tornarem crianças, na humildade, na simplicidade, na fraternidade e na abertura para o novo, com esperança e alegria, e, com esta opção, estarão acolhendo Jesus e entrando em comunhão com Deus.
Por:
Dom Eurico dos Santos Veloso
Arcebispo Emérito de Juiz de Fora

O homem procura Deus


 Qual é a grande pergunta que habita no centro do nosso coração? É a questão que nos deixa inquietos e nos faz pensativos: “Fecisti cor nostrum ad te et inquietum est cor nostrum donec requiescat in te” – “fizeste o nosso coração para ti e ele está inquieto enquanto não descansar em ti”. É agostinho que assim fala, abrindo as suas Confissões.

A pergunta verdadeira que todos trazemos no fundo do nosso coração é na realidade a questão pela infinita dor do mundo, a questão da dor da morte. É a questão do porquê da dor e do porquê da morte que nos deixa profundamente pensativos. Se não fosse pela morte, nem sequer existiria o pensamento, tudo seria uma simples eternidade, pelo menos para a nossa limitada capacidade de pensar: viver é também aprender a morrer, a conviver com o desafio silencioso, resistente, perseverante da morte. 

É inútil procurar evasões, como tantas vezes fazemos ou fáceis consolações como aquela epicuréia que diz: “quando chegar a morte, eu não estarei, e, enquanto eu estiver, ela não estará”. Essas palavras na realidade são só um jogo, uma aparência, porque a morte não é só o último destino ou o último ato, mas é uma iminência que domina, comprometendo cada dia da nossa vida na fragilidade, na limitação, na caducidade, nas perguntas que nascem imprevistas no coração como feridas lancinantes: que será de mim? Que sentido tem minha vida? Aonde vou com toda a bagagem das minhas pernas, das consolações, das alegrias? E, quando terei finalmente conquistado aquilo que desejo, que poderei ainda desejar mais senão a última vitória, a vitória sobre a morte? É, pois, a morte que nos faz pensantes: esse é o paradoxo da condição humana.
Chegados, pois, à consideração do horizonte para o qual nos dirigimos, é precisamente deste que nos nasce, como reação, uma necessidade de lutar para vencer o aparente triunfo da morte. Aqui nasce o pensamento. É precisamente essa análise, essa fugaz análise da existência humana, que tentei fazer, que nos demonstra sermos, ao mesmo tempo, lançados para a morte, como diz o filósofo Heidegger, e no entanto feitos para a vida. Se não fosse esse contraste, aceitaríamos o destino da morte como fato óbvio, previsto, sem sofrer, sem procurar dar um sentido à vida, sem evadir a morte. 

Precisamente o fato de a morte nos tornar pensativos e de que sintamos a necessidade de dar significado à obras e aos dias é o sinal de que, no profundo do coração, nós, os peregrinos para a morte, somos na realidade os chamados à vida. Há em nós uma saudade indestrutível do rosto de alguém que acolha a nossa dor e as nossas lágrimas, que redima a infinita dor da morte.
 
Quando estamos a sós ou desesperados, quando ninguém parece já gostar de nós e nós próprios temos razões para nos desprezarmos ou para nos queixarmos, eis que, do profundo do coração, se define uma inquietação, uma nostalgia, a nostalgia de um Outro que nos possa acolher, fazer-nos sentir amados, para além de tudo, apesar de tudo, vencendo o último inimigo que é a morte. É essa nostalgia que vai definindo em nós a imagem do Pai, ou se quiser, da mãe, porque pai e mãe são, nesse sentido, nada mais que duas metáforas para dizer a mesma necessidade que está inscrita no nosso coração: a necessidade de alguém a quem se confiar sem reservas, uma âncora, um cais onde fazer repousar a nossa insegurança, o nosso cansaço, a nossa dor, seguros de não sermos rejeitados no abismo do nosso nada.

Enquanto tal, a figura do pai é, ao mesmo tempo, a figura da mãe no amor, é o ventre, a pátria, a origem à qual remeter tudo aquilo que nós somos. Enfim, se, no fundo do coração, todos somos habitados pela angústia do desafio supremo da morte, se isso nos faz pensativos, se a vida se torna uma luta para vencer a morte, então a imagem do pai é uma imagem da qual todos temos necessidade infinita.

Por:
Mons. Bruno Forte, Teólogo

Venerar é diferente de Adorar

 
Como os católicos hoje, os cristãos dos primeiros séculos eram acusados de idolatria por venerarem os Santos. Mas, em vez dos grupos heréticos (que tanto se difundiram após o século XVI), quem propagava esta mentira era o rabinismo judaico, isto é, os judeus que não abraçaram a fé cristã.
Talvez o primeiro texto que dá testemunho da veneração dos santos como ainda nós católicos praticamos hoje, com honra, homenagem, celebração dos heróis e modelos da fé, seja a Carta que a Igreja de Esmirna enviou à Igreja de Filomélio, narrando o Martírio de São Policarpo (Bispo de Esmirna e discípulo do Apóstolo São João). Este documento de meados do segundo século é o texto hagiográfico mais antigo que se tem notícia.
A Carta nos dá testemunho que após o martírio de São Policarpo, os cristãos de Esmirna tentaram conseguir a posse de seu corpo, para dar ao mártir um sepultamento adequado. Mas, foram impedidos pelas autoridades que eram influenciadas pelos judeus rabínicos, que diziam que os cristãos queriam o corpo de São Policarpo para adorá-lo como faziam com Cristo.

Na carta é interessante o comentário que os cristãos de Esmirna fazem por causa da ignorância que os judeus tinham sobre a diferença da adoração que os cristãos prestavam somente a Nosso Senhor Jesus Cristo e a veneração prestada aos Santos. Semelhantes a nós católicos dos últimos séculos, os católicos do passado escreveram:

"Ignoravam eles que não poderíamos jamais abandonar Cristo, que sofreu pela salvação de todos aqueles que são salvos no mundo, como inocente em favor dos pecadores, nem prestamos culto a outro. Nós o adoramos porque é o Filho de Deus. Quanto aos mártires, nós os amamos justamente como discípulos e imitadores do Senhor, por causa da incomparável devoção que tinham para com seu rei e mestre. Pudéssemos nós também ser seus companheiros e condiscípulos!" (Martírio de Policarpo 17:2, 160?).

E mais adiante esta importantíssima prova da fé primitiva, dá testemunho do costume que a Igreja tinha em guardar uma data, para celebrar a memória dos Santos, como Ela faz até hoje:
"Vendo a rixa suscitada pelos judeus, o centurião colocou o corpo no meio e o fez queimar, como era costume. Desse modo, pudemos mais tarde recolher seus ossos [de Policarpo], mais preciosos do que pedras preciosas e mais valiosos do que o ouro, para colocá-lo em lugar conveniente. Quando possível, é aí que o Senhor nos permitirá reunir-nos, na alegria e contentamento, para celebrar o aniversário de seu martírio, em memória daqueles que combateram antes de nós, e para exercitar e preparar aqueles que deverão combater no futuro." (Martírio de Policarpo 18 +- 160 D.C)

Portanto, a Veneração dos Santos, não é idolatria e sim uma legítima e piedosa doutrina cristã que tem berço na Tradição da Igreja nascente


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por
Alessandro Lima (www.veritatis.com.br)